segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O abuso disfarçado de amor.


Assisti nesse final de semana a nova série da Netflix "Bom dia, Verônica". Gostei porque trata de um tema muito atual - a violência contra a mulher, que está todo dias ai nos jornais, infelizmente. Mas o assunto que eu quero abordar hoje não é a violência propriamente dita (aquela que deixa marcas na pele), mas sim a violência psicológica, os abusos discretos, aquelas marcas que ficam pra sempre na vida da pessoa e que ninguém vê.

Há pouco menos de um mês me vi sendo obrigada a sair de relacionamento, já que ele quis terminar. O buraco que fica no peito ninuguém sabe, ninguém vê. Só a gente sente. Me questionei por muitos dias (por vezes os pensamentos ruins ainda vêm, mas tenho aprendido a lidar com eles), aonde foi que EU havia errado. Afinal, se pra mim estava tudo bem e ele dizia estarmos na "nossa melhor fase", como termina assim, "do nada"?

Acontece que hoje, eu entendo que não foi "do nada", mas que teve um empurrãzinho. Mas isso foi tema do post anterior.

Nesse aqui, o foco é falar sobre como tudo começa.

O cara, quando é abusivo, não chega mostrando quem é. Ele chega de mansinho. No meu caso, quando conheci meu ex, eu estava mais machucada do que nunca. Havia saído de um "pseudo-relacionamento" e estava completamente despedaçada e dependente da presença de alguém que só me fazia mal. E ai ele apareceu. Conversa boa, criando sonhos, falando até de fazer viagem pra serra no final de semana só nós dois, onde ele até cozinharia pra mim - afinal, ele era especialista no melhor strogonoff de frango, segundo ele. Com duas semanas, ele disse que me amava e que não sabia explicar todo aquele sentimento. Eu deixei acontecer, afinal, eu, que já estava toda quebrada, o que tinha a perder?

Fui pra praia com ele, passamos ano novo juntos, eu - que odeio meu corpo e vivo ouvindo em casa que estou "gorda" - só ouvia ele dizer o quanto eu era linda. Fazia tudo pra me agradar, até meu leite batido nos lanches da tarde. Eu sentia que ele me amava de uma forma da qual eu jamais havia sido amada. Ele era incrível. Pelo menos era o que parecia.

Não foi difícil aprender a amá-lo e aprender a passar por cima dos "defeitos", já que tudo que tínhamos de bom juntos fazia tudo valer a pena.

Eu não tenho como dizer que ele não me ajudou em muita coisa. Com ele, eu aprendi que um relacionamento pode ser leve, sem cobranças, que eu posso sim ser bem tratada, que o "amor" é uma via dupla, onde eu faço e o outro também.

O problema foi ele querer ser o centro de tudo.

Com meses de namoro, ele me convenceu de que eu não precisava mais dos meus remédios, principalmente dos meu antidepressivo, pois, com ele, eu estava melhor, mais leve, mais feliz. Era como se ele fosse a solução dos meus problemas. Depois de muito relutar, eu acatei. Parei de tomar. As duas primeiras semanas foram "normais", mas depois disso, eu fui ladeira abaixo. Meses de tratamento, foram pro lixo e eu voltei praquele fundo de poço aonde eu estava antes. Me dei conta disso e voltei a tomá-los. Só que até tudo voltar ao "normal" com o uso do remédios, foi uma fase BEM difícil, onde, num belo dia, ele resolveu terminar dizendo "como um cara fogoso como eu vai se casar com uma mulher triste como você?"

Outra questão que ele sempre batia na tecla, sempre "com todo carinho e porque ele queria o meu melhor", era de que "se eu não havia passado até hoje em concursos, talvez eu estivesse batendo na tecla errada e devesse tentar outros caminhos, como advogar.". Esse é o problema, tudo é dito com muita sutiliza e sempre porque o cara quer o melhor pra você.

Outras frases ditas e que na hora, como boa sonhadora idiota que eu sou, eu acaba achando muito bonitinho, era que ele dizia que "queria trabalhar e ganhar muito dinheiro, pra poder me deixar em casa ou, se eu trabalhasse, ele me via trabalhando de casa (como um homeoffice)".

Outros gatilhos era frases como "sua família te faz mal e você só vai se curar de verdade quando sair de casa". Dizia que na casa dele eu ficava bem, podia comer a vontade. Além de falar mal da minha mãe, da minha tia que eu tanto amo e também da filha dela por quem eu sou apaixonada, uma criança de 3 anos. Hoje, entendo que a ideia era me afastar da minha família e realmente me fazer acreditar que ele era a solução de tudo.

Um dia belo, enquanto eu lavava a louça do almoço, comentei o quanto eu comia bem quando estava na casa dele e a resposta foi: "mas é isso mesm que eu quero, você uma leitoazinha, pra ninguém olhar pra você na rua". Enquanto isso, ele olhava uma monte de mulher "gostosona" no instagram. Mas , pra ele, eu era "linda mesmo gordinha". Hipocrisia reina.

Isso é o que eu me lembro. Até agora.

O ruim disso tudo é que, quando você não se cura antes de se envolver com alguém novamente, você cai de novo. 

Eu abri pra ele todo o meu coração. Contei pra ele segredos que eu não contaria pra mais ninguém. Desnudei minha alma. Acreditei nos planos de morarmos juntos no ano que vem. Comecei a fazer algo que eu não fazia: economizar. Sonhava com a casa arrumada, com ele chegando depois do serviço. Mas, em momento algum, me dava conta de quão abusivo eram todas essas coisas que ele dizia.

Hoje, me questiono: se namorando era assim, como ele seria depois de casado? O quanto isso tudo mudaria? O quanto eu, estando frágil, continuaria acreditando que tudo era para o meu bem, enquanto, na verdade, era pra alimentar o ego dele?!

Não é fácil pra mim escrever tudo. Não é fácil pensar que a pessoa que eu amava não passava de um personagem, que quis me agradar, foi gentil, carinhoso, me fez acreditar no "amor" novamente e, no final, foi embora da forma mais fria possível.

Eu sempre soube que era a parte "emoção" e ele a parte "razão" da relação. Mas eu jamais vou entender como alguém consegue terminar com alguém que disse amar tanto, de uma forma fria como ele fez comigo.

Hoje, eu me apego na minha fé. Ou pelo menos tento. Muitas vezes me passou pela cabeça tomar um cartela inteira de remédios e acabar com tudo. Não só por ele, mas por todo sofrimento em todos esses 30 anos, seja em relacionamentos, seja com a minha família, seja com os meus sonhos que não deram certo. É a soma de tudo que deu errado que gera desesperança. E não me chame de fraca, porque eu sei que não sou. Afinal, se o fosse, não estaria aqui hoje. Só que, querendo ou não, acho que todo mundo cansa. 

Eu sei que vai passar. Tudo passou até hoje. Mas não é fácil lidar com tudo que se passa aqui dentro enquanto esse período ruim ainda existe em mim. É cada vez mais difícil lidar com os traumas de todos esses anos e criar forças pra seguir. 

Acreditem, por vezes, eu preferiria levar uma porrada no meio cara do que carregar todas as marcas que levo aqui dentro.


Ps: Essa cena é de "You", série também da Netflix. Assisti por indicação por uma amiga e juro que me assustei com as similaridades. 

No final das contas fica a lição: NINGUÉM vai cuidar da gente como NÓS MESMOS. Se vier, que seja pra acrescentar, mas, primeiro, é preciso que a gente se cure. Se ame. Seja feliz sozinha. É preciso que a gente se desfaça das nossas amarras do passado pra não continuar caindo nos MESMO buracos com carinhas diferentes. 



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